quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O desenvolvimento da sexualidade infantil. É importante saber o que é normal e o que representa um sinal de alarme.

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O desenvolvimento da sexualidade infantil

O desenvolvimento da sexualidade infantil provoca dúvidas e receios nos pais. É importante saber o que é normal e o que representa um sinal de alarme.
Sexo e género, sexualidade, orientação sexual, meninos e meninas, pilinhas e pipis... porque vivemos num mundo ainda com muitos mitos, tabus e receios, e também porque há que estabelecer uma clara fronteira entre o que é íntimo e privado e o que é partilhado e público.

Desenvolvimento do conceito de género
À medida que as crianças crescem apercebem-se de que algumas pessoas são homens e as outras mulheres. E que há meninos e meninas. A identificação começa com o estudo do seu próprio corpo e com a comparação com os outros, reconhecendo dois tipos anatómicos diferentes. Nelas, nos pais e irmãos, e nas pessoas em geral. A determinada altura começam a usar com mais propriedade o masculino e o feminino, sendo corrigidos quando erram, e melhor percebendo que há diferenças, entre o gato e a gata, entre o primo e a prima, embora se surpreendam um pouco porque é que existe uma cadeira e não um cadeiro, um piano e não uma piana, ou porque é que a companheira do sol se chama lua e que a «mulher» do cavalo não seja a cavala. Mesmo com estas confusões e ambiguidades, há uma progressiva compreensão do mundo em duas versões, e aos dois anos e picos já gozam com as situações: «Tenho aqui um pipi.... Ah, ah, ah. É pilinha. Pipi têm as meninas». A diferenciação por género é uma das primeiras categorizações que as crianças fazem e que dividirá o mundo em múltiplas classes e conjuntos, passando pelas formas, cores ou tamanhos.

Estereótipos
Os estereótipos podem representar um problema, porque dependem sempre dos critérios que se usam. E esses critérios dependem das sociedades, religiões, famílias e sua estruturação, papéis dos seus componentes, grau de desenvolvimento social, grau de «liberalismo» da visão do mundo, enfim, de múltiplos factores não objectivos nem quantificáveis.
Numa família pode ser «óbvio» que quem lava a louça é a mãe. Noutra poderá ser quem calha. Mudar um pneu será próprio do pai enquanto engomar será da mãe. E porquê? Um robot sem sexo e sem género fará ambas as tarefas igualmente bem.
Numa sociedade em transição rápida, como a portuguesa, os estereótipos ainda se tornam mais frágeis e questionáveis – os brinquedos traduzem bem o que os adultos esperam das crianças. Durante gerações e gerações, os meninos não brincavam com bonecas nem as raparigas com carrinhos. «Mariquinhas» e «Marias-rapazes» não eram muito bem vistos, embora elas fossem, apesar de tudo, mais bem toleradas do que eles – até porque se assumia existir apenas homossexualidade masculina, que só foi descriminalizada em França em 1792, na Noruega em 1972 – («mera» troca de números) e em Portugal em 1982. O relacionamento lésbico seria apenas um «jogo e demonstração de amizade». Não é por acaso que as redes de pedófilos ainda escolhem, para vítimas, preferencialmente rapazes, pois sabem que eles se vão calar, e que a sociedade duvidará mais deles, rotulando-os de «rabetas».

EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GÉNERO
Cada criança é uma criança diferente, mas podemos considerar, de forma global, o seguinte:
7 meses – os bebés conseguem diferenciar bem a voz das mulheres e dos homens (não misturar com a voz do pai e a voz da mãe, estamos a falar da diferenciação de timbres associados ao género);
12 meses – a criança consegue atribuir a noção de género à cara das pessoas e treinam isso com os pais, demorando-se a olhar para eles. Se ouvirem uma mulher ou um homem a falar, num grupo, irão procurar uma cara de mulher ou de um homem para perceber quem está realmente a falar;
2 anos – as crianças começam a usar o género nas brincadeiras e no jogo. Começa a haver alguma predilecção pelos jogos «de rapariga» ou «de rapaz», não apenas pelo que já foi induzido, explícita ou implicitamente pelos pais e adultos, mas também por alguma noção intrínseca dos respectivos papéis (e que é algo que mora nos nossos genes e na nossa memória antropológica), e pela imitação dos adultos (que têm papéis e representações claramente diferentes);
2-3 anos – a chamada «identidade de género» está definida. Nesta idade, as crianças já sabem que são meninos ou meninas e riem-se se lhes dizemos o contrário, com base sobretudo na anatomia dos seus órgãos genitais;
3-4 anos – começa a categorização do mundo. E não apenas no «género» dos objectos, mas na associação do género entre eles (e os seus pares) e os objectos – os carrinhos para eles, as bonecas para elas;
4-5 anos – há uma compreensão mais vasta das coisas. Pôr maquilhagens será visto como «feminino», mudar uma lâmpada será entendido como «masculino». E daí alguma perplexidade se o pai põe um avental ou se a mãe levanta pesos. 

Os modelos de informação e aprendizagem
São múltiplos os factores que fazem uma criança, entre os um e os cinco anos, definirem a questão do seu género e dos géneros das pessoas e das coisas, designadamente:
Modelo dos pais – desde as relações interpessoais em casa até ao sistema de recompensas: será errado um pai elogiar a filha que trouxe uma flor para a mãe e criticar o rapaz que fez o mesmo;
Observar as crianças – ver como brincam e procurar entender o como e o porquê do que fazem. Brincar às casas é normal. Um rapaz arranjar o berço para o boneco também. O desenvolvimento das competências é essencial nestas idades e faz-se através da fantasia e do jogo prático com bonecos. É essencial não emitir juízos de valor sobre o papel dos géneros, estilo «ah, isso é coisa para mulheres» ou «um homem não chora»;
Viver só com um progenitor - se uma criança vive predominantemente só com um dos pais, é mais complicado, por vezes, perceber a definição de géneros, porque o progenitor com quem está desempenha os dois papéis: maternal e paternal, ou seja, feminino e masculino;
Tarefas definidas - As tarefas a que se vão habituando as crianças em casa não podem ser definidas: «O João vai levar o lixo e a Ana vai lavar a loiça». Umas vezes um, outras vezes outro, a menos que haja negociação e um entendimento entre eles; não se deve pois classificar as tarefas domésticas, profissões, desportos e outras actividades como «de macho» ou de «de fêmea», ou pelo menos com base no género (na força ou nos talentos já poderá ser diferente);
Os irmãos - desempenham um papel fulcral e pode haver tendência à imitação, independentemente do género, porque para a criança são ídolos. E os comentários dos irmãos são importantes: «olha, com essa camisola cor-de-rosa pareces uma menina» – escusado será dizer que aquela criança nunca mais usará roupa daquela cor;
Os avós - nascidos noutra época, têm os estereótipos mais implantados e recusá-los seria rever toda uma vida em que se desempenharam papéis bem definidos. Daí reportarem para a criança a sua própria censura interna.;
No jardim de infância - a partir dos cinco anos, começa a haver algum espírito de género: eles e elas. Eles são uns «parvos» e elas são umas «estúpidas», uma amostra do que acontecerá mais tarde, com picos no 1º ciclo e depois aos 12-14 anos;
Censura do grupo de pares - tem uma força enorme, e até pode explicar certas reacções – principalmente à roupa, corte de cabelo, etc –, que para os pais permanecem inexplicáveis;
Por último, não esquecer que os meios de comunicação, designadamente nos anúncios, veiculam uma clara noção de estereótipos, também ao nível do género – a rapariga do vermute não é o rapaz do vermute, o rapaz da cerveja não é a rapariga da cerveja. Perfumes? Elas. Carros? Eles. Isso também é visível nos desenhos animados.

O modelo escolar
O modelo em que as crianças vivem a escolarização é essencialmente «maternal» – observa-se isso em qualquer congresso em que o tema seja a criança (qualquer que seja o tema, da saúde aos direitos, da educação aos assuntos sociais), a predominância feminina é esmagadora. Pelo menos até ao fim do 1º ciclo, os educadores e professores são, de facto, educadoras e professoras, e também os enfermeiros, técnicos de serviço social e médicos essencialmente do sexo feminino.
Com muita lentidão, este modelo começa a sofrer alterações, mas com alguma desconfiança, se não na orientação sexual dos envolvidos, pelo menos na sua eventual competência «para tratar de crianças».

Quais podem ser sinais de alarme?
Alguns sinais podem expressar problemas, não necessariamente em relação a inversão do género, mas de sofrimento psicológico, o que levará a criança a ter atitudes deste tipo:
- não saber aos 3 anos o seu sexo.
- dizer constantemente que preferia ser do outro sexo, não apenas em brincadeiras e jogos, ou teatralizações (nem como expressão de ciúmes porque o mano pequenino do outro sexo tem todas as atenções), mas no dia-a-dia.
- negar, prolongadamente, a sua própria anatomia, dizendo por exemplo que tem pipi ou pilinha, não sendo verdade, ou que espera que nasça uma pilinha ou que esta desapareça para dar lugar a um pipi – no fundo, é o que Freud dizia: não conseguir ultrapassar o sentimento de castração, adquirindo o «ser» e o «parecer», na falta do «ter», ou vice-versa.
- mostrar apenas um lado feminino ou masculino (oposto ao seu sexo) sem revelar nada ou muito pouco do seu próprio género.
De qualquer, forma, em caso de dúvida mais vale partilhar os receios com o médico-assistente da criança, em vez de guardar para si, por vergonha ou receio de ouvir alguma verdade difícil. Dúvidas e ansiedades só vão criar mais estereótipos e tender a reprimir a criança.

Masturbação
A primeira questão está ligada a este subtítulo: deveremos chamar masturbação ou manipulação dos órgãos sexuais? Se por um lado o acto não se acompanha, nesta idade, de fantasias sexuais, por outro é inegável que a criança tem um prazer próximo do orgasmo. Para simplificar adoptarei este termo, mas com as reticências de que ele se acompanha.
Estas e outras situações causam apreensão, são confundidas com doenças (como convulsões) e suscitam embaraços e vergonhas. As crianças masturbam-se. É verdade. Sobretudo a partir dos três anos. E fazem-no porque a exploração do corpo leva-as a descobrir uma experimentação nova e que, ainda por cima, dá prazer. Aliás, descrevem o que sentem como «um choque eléctrico muito bom», «uma coisa boa que arrepia» ou frases similares.
A masturbação é um comportamento normal e como tal deve ser encarado. E associá-la a algo lascivo ou malévolo é transportar para a infância as leituras tortuosas dos adultos. A prova de que as crianças não têm qualquer sentimento «menos próprio» é que o fazem à frente de toda a gente.
A atitude dos pais deve ser de respeito e sem emitir juízos de valor. Quanto menos ênfase se der ao assunto, mais depressa esta fase passará. Pelo contrário, se se fizer um bicho-de-sete-cabeças, pode até ser que a criança deixe de se masturbar, mas ter-se-á inserido um componente anómalo no percurso normal da sexualidade, podendo mais tarde essa bomba-relógio rebentar de um modo estranho e a desoras. Remeter a sexualidade infantil e respectivos comportamentos para o domínio da vergonha é errado e pode ter consequências indesejáveis. No entanto, é bom passar a mensagem de que há comportamentos que requerem intimidade e privacidade.
Numa conversa a sós, fora de um episódio, é bom dizer que os órgãos genitais são sensíveis e que esfregá-los pode causar dor ou lesão, e que assim como não se anda nu na rua ou até na praia, também a manipulação dos órgãos genitais deve ser um assunto íntimo e que não deve ter lugar em frente das outras pessoas.
Como a sexualidade infantil foi negada durante muito tempo, a normalidade da masturbação nesta idade ainda custa muito a aceitar como algo de saudável. Desde estar possuída até epilepsia, ouve-se de tudo. Mente depravada, como disse a avó do Rodrigo, ainda é um epíteto suave... Se por alguma razão o comportamento se torna francamente obsessivo, acontece em qualquer local (designadamente fora de casa) ou não se reduz com a passagem dos meses, pode haver algum trauma a esclarecer. Nestes casos, a intervenção de um psicólogo será o primeiro passo a dar.
Fonte: http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/mario-cordeiro/1393-o-desenvolvimento-da-sexualidade-infantil

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