PAULA ANTUNES RUGGIERO
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29 Agosto 2014 | 16:11
Medicalizar as diferenças é não compreender a dinâmica da infância.
Crianças lindas
(Ruth Rocha)
São duas crianças lindas
Mas são muito diferentes!
Uma é toda desdentada,
A outra é cheia de dentes…
Uma anda descabelada,
A outra é cheia de pentes!
Uma delas usa óculos,
E a outra só usa lentes.
Uma gosta de gelados,
A outra gosta de quentes.
Uma tem cabelos longos,
A outra só corta rentes.
Não queira que sejam iguais,
Aliás, nem mesmo tentes!
São duas crianças lindas,
Mas são muito diferentes!
Assim são as crianças, todas muito diferentes.
Quando pequenininhas, umas chegam à escola com muita curiosidade, envolvem-se nas brincadeiras, adoram estar com outras crianças, cantam, pulam, exploram cada cantinho. Outras chegam bem agarradinhas a seus pais, tímidas, assustadas com a movimentação e o barulho do novo ambiente. Aos poucos, sentem confiança e aí sim, do seu jeitinho, envolvem-se com a novidade.
Entre a primeira e a segunda há uma vasta gama de diferenças. Não há maneira certa ou errada, há como cada criança (e sua família) é.
Quando maiores um pouquinho, algumas crianças parece que têm formiguinha no bumbum. Não param quietas: sentam, levantam, deixam o lápis cair, pegam o lápis, voltam a sentar, levantam mais um pouquinho, chamam um amigo, pegam o material do outro.
Há aquelas que parecem estar no mundo da lua, interessadas em qualquer movimento na sala de aula, inclusive dos insetos que passam por lá.
Há crianças que querem falar o tempo todo, não aguentam esperar a vez do outro, interrompem, chamam o professor. Querem sempre ser as primeiras a receber o material, a escolher determinada atividade, a falar, a sair, a entrar.
Há aquelas tão quietinhas que dificilmente falam em roda. Quando solicitadas a dizer algo, se retraem e parecem querer entrar numa conchinha. Falam baixinho, de preferência bem pertinho do professor.
Algumas adoram mandar. Mandam nos colegas, organizam o grupo, respondem pelos outros, fazem pelos outros, chegam a ficar incomodadas com o professor auxiliar. Afinal, elas podem ajudar em tudo!
Algumas crianças provocam as outras silenciosamente, fazem carinha de “nada aconteceu” quando o colega chora ou reclama.
Há aquelas que sempre choram ou falam choramingando. Parece que o choro é a forma de resolver tudo. Há também as que choram apenas quando se sentem incomodadas.
Algumas ficam muito bravas e chateadas quando algo não sai da maneira como elas haviam planejado. Apagam muitas vezes o desenho e chegam a amassar.
Algumas esquecem a lição de casa, o livro da biblioteca. Outras tem o caderno todo sujo e amassado, por mais que lavem as mãos ao entrar na sala.
Umas prestam atenção em tudo. Seu material é bem organizado e querem muito agradar o adulto.
Há ainda muitas outras formas de se relacionar consigo mesmo, com o outro, com o aprendizado e com as limitações que a realidade nos apresenta.
Nas salas de aula, os grupos são sempre heterogêneos, em que cada criança tem uma maneira muito especial de ser.
Todo professor sabe que é preciso conhecer as crianças e que, para cada uma, há uma maneira especial de lidar. Se a criança é muito tímida, não podemos exigir uma grande exposição. Se é bem ansiosa, não podemos pedir que espere demais e seja a última (pode ser a terceira). Organizar os lugares na roda ou nas carteiras pode ajudar muito, pois as crianças em pares, geralmente, potencializam ou equilibram algumas características entre elas.
É uma difícil tarefa, que exige muita sensibilidade, principalmente porque as crianças estão tentando desvendar o funcionamento das regras e têm dificuldade para entender como pode uma atitude valer para um e não valer para o outro. Quando as crianças estão acostumadas a um sistema de ensino que leva em consideração as diferenças, ela logo aprende que o tratamento diferente da professora é uma maneira de respeito. A criança que se sente respeitada rapidamente aprende que este é um valor muito importante nas relações. Ela também fica tranquila em saber que será tratada da melhor maneira possível.
Querer que as crianças sejam iguais já causou muitos desastres na vida das crianças nas gerações passadas. O filme indiano Como Estrelas na Terra* retrata bem isso, como a falta de entendimento a respeito da dislexia causa imenso estrago na vida de um menino, e conta como um professor sensível pode ajudar.
Medicalizar as diferenças vai no mesmo caminho do não entendimento. É, na minha opinião, não compreender a dinâmica da infância, do ser humano.
* COMO ESTRELAS NA TERRA: TODA CRIANÇA É ESPECIAL
Direção: Aamir Khan, Índia, 2007.
Fonte: Estadão