Revista Pátio
Lá fora há muito que aprender
Beatriz Fedrizzi
No meio natural, a criança aprende melhor sobre os recursos naturais e a importância da preservação, desenvolve mecanismos de percepção e torna-se mais atenta aos processos de ensino-aprendizagem.
Após décadas de intenso desenvolvimento industrial, tecnológico e científico, o mundo volta novamente a sua atenção — e preocupação — para os recursos naturais. A inter-relação do homem com a natureza apresenta grande importância em sua vida, trazendo-lhe inúmeros benefícios, tanto emocionais quanto funcionais. Em se tratando de crianças, o contato com a vegetação tem ainda maior impacto, de modo que a interação com a natureza influencia no desenvolvimento e também auxilia no aprendizado, atuando em duas frentes. Ou seja, quando está em um meio natural, a criança não só aprende melhor sobre os recursos naturais e a importância da preservação, como também desenvolve mecanismos de percepção e torna-se mais atenta aos processos de ensino-aprendizagem.
Segundo Elali (2008), é inegável a importância do pátio escolar como local de atividade e interação social. No entanto, na maioria das escolas brasileiras, tais espaços ainda são compreendidos apenas como um local onde as crianças ficam quando não estão desenvolvendo atividades em sala de aula, para as quais, de modo geral, não são elaborados projetos específicos (Fedrizzi, 2002).
Nos últimos anos, a urbanização tem diminuído as áreas onde as crianças podem brincar livremente. Além disso, elas passam mais tempo em instituições e, em muitos casos, o pátio escolar é o único espaço aberto seguro para desenvolver diferentes tipos de atividades. Segundo Nelson (2012), houve mudanças negativas na vida de nossas crianças. Nesse sentido, é preciso protegê-las da falta de exercício, do excesso de tempo dedicado a equipamentos eletrônicos, da percepção dos espaços abertos como perigosos para brincar, do isolamento e do medo da natureza, da falta de conexão com o meio ambiente, da falta de conhecimento sobre a educação pré-escolar e do uso abusivo de medicamentos para modificar o comportamento infantil. Segundo o autor, todos esses problemas podem ser contornados com o projeto e o uso adequado de pátios escolares pelas crianças.
Ecologia é um assunto bastante conhecido nas escolas brasileiras. Porém, o que as crianças normalmente encontram fora das salas de aula é um ambiente desolado. A necessidade de áreas verdes nas grandes cidades é tão grande que não podemos desperdiçar nenhum espaço sequer sem colocar vegetação. O tipo de vida que levamos contribui para o estresse e, consequentemente, para a fadiga mental. Um pátio escolar bem-planejado, com vegetação, tem a capacidade de diminuir tais problemas, oferecendo uma melhor qualidade de vida. Pesquisas têm demonstrado que a capacidade de concentração das crianças e a sua coordenação motora melhoram quando elas têm contato com a natureza (Grahn, 1994).
Nossos educadores recebem formação sobre essa etapa do desenvolvimento humano, mas dificilmente são envolvidos no processo de projetar ou replanejar os espaços físicos das escolas. A falta de informação nessa área tem um impacto direto sobre a falta de qualidade dos lugares de aprendizado e de usos diário das crianças (Sanoff, 1995). Portanto, o objetivo deste artigo é colaborar para a formação dos profissionais da educação infantil a respeito da importância do espaço físico no aprendizado das crianças, ajudando-os a se tornarem mais ativos no processo de projeção e uso desses espaços.
A primeira infância
Aprendemos bastante sobre os cuidados pré-natais. Todavia, após nove meses habitando o útero, quais seriam os cuidados da sociedade em relação ao novo indivíduo para que se desenvolva adequadamente? Sabemos que, para ter um bom desenvolvimento, as crianças precisam de cuidados parentais, boa formação escolar e estimulantes atividades sociais. Elas se beneficiam do tempo despendido nos espaços abertos, sobretudo com elementos naturais, então simplesmente devemos aumentar a quantidade e a qualidade dos espaços externos.
Nos primeiros sete anos de vida, o indivíduo passa por um intenso processo de desenvolvimento (físico, afetivo, cognitivo e social), durante o qual são construídas as bases de sua personalidade e do aprendizado futuro. Pesquisas que envolvem os lugares da infância valorizados na memória de adultos apontam o pátio escolar como um dos locais favoritos (Elali, 2008), fortalecendo sua importância afetiva e simbólica, bem como a necessidade de elaboração de espaços que estimulem o desenvolvimento infantil.
A importância da vegetação
O ambiente escolar tem considerável importância no desenvolvimento da criança: “Uma vez que o indivíduo começa sua vida escolar, a sua vida muda consideravelmente. Uma grande parte do seu dia é gasto na escola, muito mais do que nas vizinhanças” (Proshansky e Fabian, 1987).
O interesse pelos pátios escolares tem crescido mundialmente, o que pode estar relacionado a dois fatores. Primeiro, o espaço disponível para brincar vem diminuindo devido ao aumento do tráfego e da criminalidade, e as crianças estão mais atarefadas com atividades que as mantêm em instituições. Segundo, existe o interesse em favorecer o conhecimento ecológico por meio da interação das crianças com o espaço aberto.
Considera-se que a natureza e a vegetação no pátio escolar contribuem positivamente para a saúde e o desenvolvimento das crianças. Kaplan e Kaplan (1989), em suas pesquisas, enfatizam que o ambiente natural é influente e que as experiências com ele foram profundamente restauradoras com relação à fadiga mental e ao estresse.
Outros estudos identificaram que os ambientes naturais são eficientes em trazer à tona mudanças no estado emocional entre indivíduos estressados e não estressados. Tais descobertas, combinadas com a pesquisa da ciência cognitiva, que sugere a hipótese plausível de que a exposição a ambientes naturais aumenta a criatividade e a organização funcional cognitiva em geral (Ulrich, 1993; Gump, 1978), indicam que a qualidade de vida da criança é seriamente afetada pela qualidade do ambiente onde ela vive.
Cultivando salas de aula sem paredes
Pesquisando sobre pátios para pré-escolas, deparei-me com o programa The Outdoor Classroom, desenvolvido por Eric Nelson (2012). Apresentarei algumas de suas indicações, a começar pela indagação: como podemos redesenhar os pátios das pré-escolas brasileiras? Para isso, é preciso observar as seguintes premissas:
Segundo Elali (2008), é inegável a importância do pátio escolar como local de atividade e interação social. No entanto, na maioria das escolas brasileiras, tais espaços ainda são compreendidos apenas como um local onde as crianças ficam quando não estão desenvolvendo atividades em sala de aula, para as quais, de modo geral, não são elaborados projetos específicos (Fedrizzi, 2002).
Nos últimos anos, a urbanização tem diminuído as áreas onde as crianças podem brincar livremente. Além disso, elas passam mais tempo em instituições e, em muitos casos, o pátio escolar é o único espaço aberto seguro para desenvolver diferentes tipos de atividades. Segundo Nelson (2012), houve mudanças negativas na vida de nossas crianças. Nesse sentido, é preciso protegê-las da falta de exercício, do excesso de tempo dedicado a equipamentos eletrônicos, da percepção dos espaços abertos como perigosos para brincar, do isolamento e do medo da natureza, da falta de conexão com o meio ambiente, da falta de conhecimento sobre a educação pré-escolar e do uso abusivo de medicamentos para modificar o comportamento infantil. Segundo o autor, todos esses problemas podem ser contornados com o projeto e o uso adequado de pátios escolares pelas crianças.
Ecologia é um assunto bastante conhecido nas escolas brasileiras. Porém, o que as crianças normalmente encontram fora das salas de aula é um ambiente desolado. A necessidade de áreas verdes nas grandes cidades é tão grande que não podemos desperdiçar nenhum espaço sequer sem colocar vegetação. O tipo de vida que levamos contribui para o estresse e, consequentemente, para a fadiga mental. Um pátio escolar bem-planejado, com vegetação, tem a capacidade de diminuir tais problemas, oferecendo uma melhor qualidade de vida. Pesquisas têm demonstrado que a capacidade de concentração das crianças e a sua coordenação motora melhoram quando elas têm contato com a natureza (Grahn, 1994).
Nossos educadores recebem formação sobre essa etapa do desenvolvimento humano, mas dificilmente são envolvidos no processo de projetar ou replanejar os espaços físicos das escolas. A falta de informação nessa área tem um impacto direto sobre a falta de qualidade dos lugares de aprendizado e de usos diário das crianças (Sanoff, 1995). Portanto, o objetivo deste artigo é colaborar para a formação dos profissionais da educação infantil a respeito da importância do espaço físico no aprendizado das crianças, ajudando-os a se tornarem mais ativos no processo de projeção e uso desses espaços.
A primeira infância
Aprendemos bastante sobre os cuidados pré-natais. Todavia, após nove meses habitando o útero, quais seriam os cuidados da sociedade em relação ao novo indivíduo para que se desenvolva adequadamente? Sabemos que, para ter um bom desenvolvimento, as crianças precisam de cuidados parentais, boa formação escolar e estimulantes atividades sociais. Elas se beneficiam do tempo despendido nos espaços abertos, sobretudo com elementos naturais, então simplesmente devemos aumentar a quantidade e a qualidade dos espaços externos.
Nos primeiros sete anos de vida, o indivíduo passa por um intenso processo de desenvolvimento (físico, afetivo, cognitivo e social), durante o qual são construídas as bases de sua personalidade e do aprendizado futuro. Pesquisas que envolvem os lugares da infância valorizados na memória de adultos apontam o pátio escolar como um dos locais favoritos (Elali, 2008), fortalecendo sua importância afetiva e simbólica, bem como a necessidade de elaboração de espaços que estimulem o desenvolvimento infantil.
A importância da vegetação
O ambiente escolar tem considerável importância no desenvolvimento da criança: “Uma vez que o indivíduo começa sua vida escolar, a sua vida muda consideravelmente. Uma grande parte do seu dia é gasto na escola, muito mais do que nas vizinhanças” (Proshansky e Fabian, 1987).
O interesse pelos pátios escolares tem crescido mundialmente, o que pode estar relacionado a dois fatores. Primeiro, o espaço disponível para brincar vem diminuindo devido ao aumento do tráfego e da criminalidade, e as crianças estão mais atarefadas com atividades que as mantêm em instituições. Segundo, existe o interesse em favorecer o conhecimento ecológico por meio da interação das crianças com o espaço aberto.
Considera-se que a natureza e a vegetação no pátio escolar contribuem positivamente para a saúde e o desenvolvimento das crianças. Kaplan e Kaplan (1989), em suas pesquisas, enfatizam que o ambiente natural é influente e que as experiências com ele foram profundamente restauradoras com relação à fadiga mental e ao estresse.
Outros estudos identificaram que os ambientes naturais são eficientes em trazer à tona mudanças no estado emocional entre indivíduos estressados e não estressados. Tais descobertas, combinadas com a pesquisa da ciência cognitiva, que sugere a hipótese plausível de que a exposição a ambientes naturais aumenta a criatividade e a organização funcional cognitiva em geral (Ulrich, 1993; Gump, 1978), indicam que a qualidade de vida da criança é seriamente afetada pela qualidade do ambiente onde ela vive.
Cultivando salas de aula sem paredes
Pesquisando sobre pátios para pré-escolas, deparei-me com o programa The Outdoor Classroom, desenvolvido por Eric Nelson (2012). Apresentarei algumas de suas indicações, a começar pela indagação: como podemos redesenhar os pátios das pré-escolas brasileiras? Para isso, é preciso observar as seguintes premissas:
- O processo de educar as crianças da educação infantil abrange muito mais do que prepará-las para o ensino fundamental ou distraí-las enquanto seus pais trabalham. Devem-se respeitar os processos da infância e as particularidades de cada criança, ajudando-as a alcançar seu potencial.
- Programas para crianças devem ter visão e valores, fundamentando-se na premissa de que a sociedade deve procurar atender um bem maior.
- O processo é mais importante do que o conteúdo: as crianças aprendem tanto a partir do conteúdo quanto por parte dos professores e dos ambientes onde estão inseridas.
Como princípios, o programa The Outdoor Classroom recomenda:
- As crianças beneficiam-se quando permanecem no espaço aberto.
- O fato de haver pátios pequenos não impede que várias atividades de sala de aula sejam feitas na rua.
- O desenvolvimento das crianças é otimizado quando elas passam grande parte do tempo participando de atividades que elas escolheram, sob a supervisão dos professores.
- As crianças precisam manter contato com a natureza.
Devem funcionar como elementos-chave as seguintes considerações:
- Professores e diretores devem estar interessados e comprometidos com o projeto de uso do pátio.
- Professores e diretores devem ter conhecimento do projeto para fazê-lo acontecer.
- Alguns equipamentos são necessários, como brinquedos, mesas, cadeiras, etc., bem como um depósito para guardá-los.
- Pais e administradores escolares devem viabilizar a iniciativa e dar-lhe suporte.
Algumas outras características gerais a serem citadas incluem:
- Deve-se oportunizar às crianças que passem bastante tempo no pátio, sendo fácil e seguro circular entre o prédio e o espaço aberto.
- Deve-se garantir que haja espaço suficiente para todas as atividades, inclusive para que as crianças possam correr.
- Deve-se disponibilizar um leque amplo de atividades, incluindo aquelas que tradicionalmente acontecem dentro do prédio, mesmo quando o pátio não foi projetado.
- Deve-se incentivar a criação de atividades pelas crianças; os professores, por sua vez, alternam-se entre dar suporte a elas e deixá-las agir de modo independente novamente.
- Devem-se programar os objetivos que as crianças têm de atingir.
- Deve-se considerar que o programa das atividades externas apoia continuamente o aprendizado, já que as crianças estão aprendendo o tempo todo.
- Deve-se considerar que o currículo das atividades externas ocupa grande parte do programa total e modifica-se conforme mudam as necessidades e os interesses das crianças.
- Deve-se organizar o espaço para diferentes atividades, de modo que aconteçam em harmonia com as atividades dos espaços vizinhos.
- Deve-se ajudar na criação de atividades específicas, pois, assim, as crianças aprenderão sucessivamente através das suas atividades. É interessante escalonar as atividades e fazer colocações provocativas, estimulando o desenvolvimento.
Além dessas considerações, ao criar um programa, é preciso pensar em modificações a curto, médio e longo prazo. Para isso, é imprescindível criar um plano de modificação do pátio que responda às seguintes perguntas:
- Onde estamos?
- Para onde queremos ir?
- Quais devem ser nossas primeiras modificações?
- Como podemos atingi-las?
- Como realmente se faz isso?
- Como saberemos que tivemos sucesso?
- Que tal propor alguns desafios?
- Como reconhecer o trabalho de todos que contribuirão com o processo de modificação?
Ao projetar o espaço, é preciso considerar os seguintes fatores:
- As áreas de brincar devem estar próximas às salas de aula (de preferência, conectadas).
- As áreas de brincar devem ser espaçosas e comportar confortavelmente as crianças.
- A área mais aberta deve ficar no centro e ser grande o suficiente para que as crianças consigam correr livremente; os outros espaços devem circundar essa área central.
- As áreas devem ser separadas umas das outras para evitar conflitos.
- Um espaço aberto saudável para as crianças é aquele que oferece atividades que as atendam de forma completa.
- O local destinado a guardar os equipamentos usados no pátio deve ser amplo e de fácil manejo.
- Os elementos da natureza devem predominar no pátio, em vez de cimento, asfalto e outros materiais de construção.
- O pátio deve oferecer desafios, mas ser seguro.
- A oferta de pátio bem-planejado não é suficiente; é preciso adotar uma filosofia que fundamente todo o projeto.
Por fim, alguns inconvenientes devem ser evitados:
- Falta de sombra, principalmente na caixa de areia.
- Excesso de sombra no inverno.
- Falta de vegetação na altura das crianças (usar arbustos baixos e médios).
- Excesso de pavimentação.
- Diminuição da quantidade de grama e/ou de areia devido à existência de caminhos pavimentados muito largos.
- Redução da área de grama, impedindo-se a prática de qualquer atividade.
- Falta de espaço para as crianças correrem.
- Falta de depósito para guardar os equipamentos.
- Falta de drenagem.
As áreas externas devem ocupar um grande espaço no aprendizado das crianças. Precisamos olhar para fora, pois há muito a ser feito. As crianças certamente agradecerão!
- Beatriz Fedrizzi é doutora em Paisagismo e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.beatrizfedrizzi@terra.com.br
Crédito da imagem:
Foto: ©iStockphoto.com/Photolyric
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REFERÊNCIAS
- ELALI, G. Reflexões sobre o comportamento infantil em um pátio escolar: o que aprendemos observando as atividades das crianças. Paideia, Ribeirão Preto, v. 18, n. 39, 2008.
FEDRIZZI, B. A organização espacial em pátios escolares grandes e pequenos. In: Projeto do Lugar. Rio de Janeiro, PROARQ, v.1, p. 221-229, 2002.
GRAHN, P. The importance of green urban areas for peoples’ well-being. European Regional Planning, n. 56, p. 89-112, 1994.
GUMP, P.V. Schools environments. In: ALTMAN, I.; WOHLWILL, J.F. (eds.). Human behavior and environment. Vol 3. New York: Plenum Press, 1978.
KAPLAN, R.; KAPLAN, S. The experience of nature. New York: Cambridge University Press, 1989.
NELSON, E. Cultivating outdoor classrooms: desingning and implementing child-centered learning environments. St. Paul: Redleaf Press, 2012.
PROSHANSKY, H.M.; FABIAN, A.K. The development of place identity in the child. In: WEINSTEIN, C.S.; DAVID, T.G. (eds.). Space for children: the build environment and child development. New York: Plenum Press, 1987.
SANOFF, H. Creating environments for young children. North Carolina: Bookmasters, 1995.
ULRICH, R.S. Biophilia, biophobia, and natural landscapes. In: KELLERT, S.R.; WILSON, E.O. (eds.). The biophilia hypothesis. Washington: Island Press; Shearwater Books, 1993.
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